Os homens querem sexo e as mulheres, afeto. Por mais polêmica que seja a afirmação, os pesquisadores brasileiros que se debruçam sobre relacionamentos na terceira idade definem as expectativas dos relacionamentos entre idosos dessa forma baseados em estudos e no dia a dia em ambulatórios dedicados ao tema.“Essa distinção entre homens e mulheres ainda chama muito a atenção quando se trata de um relacionamento entre idosos, sejam eles casados há muitos anos ou em namoros recentes nessa faixa etária”, diz Carlos Lima Rodrigues, psicólogo e vice-presidente do Olhe (Observatório da Longevidade Humana e Envelhecimento).Em seu doutorado, Rodrigues analisou os dados de 2006 do estudo SABE (Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento) para entender mais sobre a sexualidade dos idosos respondentes do questionário.
O principal dado era sobre a satisfação com a vida sexual na velhice. A diferença entre os gêneros foi gritante. “Os homens se diziam satisfeitos desde que houvesse atividade sexual. Já as mulheres, ao contrário, afirmavam estar satisfeitas desde que não houvesse atividade sexual”, explica.Diante de tamanha disparidade de vontades e expectativas, pode parecer complicado construir relacionamentos amorosos depois dos 60 anos. No entanto, Valmari Cristina Aranha, psicóloga do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HC-USP), diz que as diferenças não são impeditivas de relacionamentos felizes – pelo contrário. “As escolhas são mais maduras, menos por carência ou desespero”, diz. Com a maturidade também vêm a paciência e o jogo de cintura, segundo a especialista. “São casais com mais flexibilidade para lidar com as dificuldades que aparecem”.
Ao contrário da máxima “os opostos se atraem”, nos relacionamentos mais maduros, a psicóloga diz que o que une os casais é justamente o que têm em comum. “Eles buscam companheirismo em pessoas que compartilham o mesmo gosto em diversos aspectos”, diz a psicóloga. Assim, é comum que os casais idosos se conheçam em locais onde se desenvolvam atividades culturais ou esportivas – como salões de dança, aulas de arte e grupos de passeio.As redes sociais também têm promovidos encontros de velhos conhecidos. “Vemos muitos resgates de colegas de infância, amores de colégio que, depois de anos, viram um relacionamento amoroso, principalmente via Facebook”, conta Valmari. E o sexo? Rodrigues afirma que, culturalmente, ainda é comum que as mulheres considerem que a vida sexual se encerra após a menopausa. “Muitas mulheres acham que já cumpriram o papel de ter filhos e, já que não podem mais engravidar, não há por que ter relações sexuais”, conta.
Para ele, a influência da cultura machista e questões religiosas são os principais influenciadores desse pensamento. No entanto, ele acredita que a mentalidade deve estar começando a mudar. “Trabalhei com dados de 2006. Seria interessante ver se há diferença dez anos depois, porque é uma outra geração de idosos. As mulheres hoje chegando aos 60 são sexualmente mais livres”, comenta.No Ambulatório de Sexualidade do HC, do qual Valmari faz parte, há muitos casais que buscam retomar a vida sexual – normalmente por iniciativa do homem. “Com os medicamentos para disfunção erétil, muitos reclamam que as esposas não querem mais ter relações sexuais e nos procuram”, conta.
A mulher normalmente resiste, mas acaba indo ao Ambulatório por insistência do marido. E, segundo a psicóloga, a maior parte das mulheres que não quer mais ter relações sexuais conta terem tido experiências negativas quando jovens ou têm receio por causa das mudanças hormonais pós-menopausa, como maior ressecamento vaginal, e reclamam que os maridos não têm tato para lidar com essas questões.Mas esse perfil feminino também já está apresentando mudanças. “Nos últimos anos há um movimento diferente das mulheres idosas tentando redescobrir o prazer ou mesmo que nunca tiveram um orgasmo e querem experimentar depois dos 60 anos”, explica Valmari. “Elas estão mais abertas a falar sobre sexo conosco e com seus parceiros”.
Outros preconceitos: A diferença de idade também é um complicador nos relacionamentos mais maduros – em especial entre mulheres mais velhas e homens mais jovens. “É mais comum que os homens viúvos, por exemplo, tenham outros relacionamentos do que as mulheres viúvas”, afirma Rodrigues. Além disso, ainda é mais comum que os homens se relacionem com mulheres mais jovens do que mulheres com homens mais novos. “As mulheres ainda sentem vergonha nesse tipo de relacionamento, como se fosse algo errado”, explica. “A questão moral é muito forte ainda.”A questão da incontinência urinária também pode ser vista como uma impossibilidade para a vida sexual ativa. “Principalmente as mulheres têm medo da perda urinária e vergonha do cheiro, por isso se afastam dos maridos”, conta Valmari. A especialista ressalta que há tratamentos fisioterápicos bastante eficazes para controle da incontinência e que podem melhorar a sexualidade e o casamento.
Existem também produtos específicos para a condição, tais como absorventes e calcinhas, que proporcionam conforto e segurança para a mulher.Por fim, a recusa em usar preservativos também é característica da atual geração de idosos – que viveram a juventude sexualmente ativa sem eles. A consequência disso é o aumento de idosos infectados pelo vírus HIV, sífilis e outras doenças sexualmente transmissíveis. De acordo com o Boletim Epidemiológico AIDS e DST de 2015, publicado pelo Ministério da Saúde, acima dos 60 anos é grande a proporção de diagnóstico tardio do HIV, o que é um complicador para o tratamento. Do total de casos diagnosticados anos depois da infecção, 38,1% são de idosos, enquanto na faixa entre 18 e 24 anos essa proporção é de apenas 11,9%.