É uma tarefa difícil encontrar quem nunca tenha apelado para um comprimidinho comprado sem receita ao ter uma dor de cabeça ou ser derrubado por aquela gripe forte. Esses medicamentos – antitérmicos, antigripais e outros – costumam ficar próximos ao balcão onde estão os atendentes e farmacêuticos, mas o acesso a eles é totalmente livre. Essa facilidade parece justificar que nada menos que 76,4% dos brasileiros sejam adeptos da automedicação, segundo o Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ).
Se engana quem pensa que tomar um remédio de vez em quando sem indicação médica não faça mal. Segundo a Abifarma (Associação Brasileira das Indústrias Farmacêuticas), 20 mil pessoas morrem anualmente no país por terem tomado remédios indevidamente.
Não se sabe quantos casos desses casos são idosos, mas pode-se afirmar, segundo a geriatra Luciana Poyatos, que a automedicação nesse grupo populacional é ainda mais perigosa. “Os medicamentos agem de formas diversas se tomados nas diferentes fases da vida. A automedicação é perigosa em qualquer idade, mas nos idosos o perigo é ainda maior”, alerta.Esse perigo é maior porque os idosos geralmente apresentam comorbidades (a presença de mais de uma doença ao mesmo tempo) e, por isso, tomam diversos tipos de medicamentos. Incluir no rol de remédios um que não tenha sido prescrito por um médico é bastante arriscado, já que pode haver interação medicamentosa.
Uma pesquisa realizada em 2015 junto a idosos de uma cidade do estado do Rio Grande do Sul apontou que 83,3% dos entrevistados já fizeram uso de automedicação, mesmo que 50% deles tivessem consciência de possíveis interações medicamentosas.“Além disso, no organismo do idoso há uma diminuição da função do fígado e dos rins, que são os principais órgãos envolvidos no metabolismo e na eliminação das substâncias. Dessa forma, os medicamentos vão agir de forma diferente e poderão permanecer no organismo de um idoso muito mais tempo do que num indivíduo jovem, sendo potencial causador de problemas”, explica a médica.
Algumas substâncias podem interferir no tratamento de doenças crônicas, anulando, reduzindo ou até aumentando o efeito dos medicamentos utilizados. Analgésicos, por exemplo, podem diminuir o efeito de um medicamento utilizado para tratar pressão alta ou diabetes e, com isso, colocar o idoso em risco.
Ainda, remédios que foram usados por toda a vida podem, na idade avançada, trazer problemas que não aconteciam antes. “Por exemplo, remédios para dor no estômago, se utilizados por tempo prolongado, podem reduzir a absorção de substâncias importantes, como ferro e cálcio, essenciais na terceira idade, e causar anemia e osteoporose”, exemplifica a geriatra. Ela explica ainda que um antigripal pode, no idoso, aumentar o risco de quedas e até causar problemas mais sérios como arritmia cardíaca. Isso porque, em sua formulação, esses medicamentos possuem várias substâncias, entre elas antialérgicos, que causam sonolência, e vasoconstritores, que reduzem o fluxo de sangue e aumentam a pressão dentro dos vasos.
Muito além dessas questões, ainda se colocam outras quando se trata da automedicação. A atitude às vezes é tão natural que os pacientes esquecem de contar os medicamentos que tomaram para seu médico – ou escondem dele o uso –, o que pode causar dificuldade, por parte do profissional da saúde, em fazer o diagnóstico e o tratamento correto.“Muitos sintomas podem ocorrer devido ao uso de medicamentos. Por isso, sempre deve haver uma relação de confiança entre o profissional de saúde, o paciente idoso e sua família. Se houve um erro ao se automedicar, erro ainda maior será omitir essa informação”, orienta Luciana.Por isso, sempre vale seguir a orientação de sempre informar o médico antes de tomar qualquer medicamento.
E, se após o uso, houver sintomas ou alguma reação, comunique o médico imediatamente. Brasileiro ouve até o vizinho para escolha de remédioSe não for um remédio indicado pelo médico, ou administrado com o consentimento dele, não use. No entanto, os brasileiros ainda seguem recomendações de conhecidos.Segundo o ICTQ:72% das pessoas confiam em remédios indicados por familiares: 42,4% aceitam dicas de remédios de amigos17,5% confiam na indicação de colegas de trabalho ou escola: 13,7% confiam nos vizinhos